Prof. Dr. José Carlos Prates - Um imortal
* 5/07/1933 - † 27-02-2023

Hoje se foi um dos últimos ícones da anatomia brasileira, para a maioria de nós seus ex alunos, o maior em estatura, em conhecimento, em ombridade, no carinho com seus discípulos e seus ex discípulos.
Se há uma maneira de ser imortal é viver no coração das pessoas. E isso o Prof. Prates conseguiu. Um legado imenso espalhado pelo mundo, formou tantos doutores que depois se tornaram titulares e criaram outros programas de pós graduação que existem não apenas por São Paulo, mas pelo Brasil e Chile principalmente.

Prof. Prates nasceu junto com a Escola Paulista de Medicina (Unifesp), parece até que esperou sua fundação para nascer, esta ocorrida em 1º de junho de 1933. Um mês e 4 dias depois nasce um dos maiores nomes da anatomia Brasileira. Nasceu em Piracicaba, no interior do Estado de São Paulo. É o segundo mais velho de seis filhos, de mãe italiana e pai descendente de portugueses e alemães. Toda a sua formação foi desenvolvida em escolas do município, até o ingresso na universidade. Decidido a cursar Medicina, não quis ficar muito longe da família e optou por estudar na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Sorocaba, a aproximadamente 1h20 de viagem da casa dos pais.
Prof. Prates era daqueles que conseguiam discutir qualquer assunto de anatomia com detalhes, datas, nomes dos primeiros a descrever o assunto, história dos autores e anatomistas que descreveram, origem dos termos e outra infinidade de detalhes sobre o tema, coisa rara de alguém com uma memória privilegiada.

Muito embora com toda a envergadura intelectual o desse a opção de ser uma pessoa petulante, estava muito longe disso e até nisso dava aulas. De como se deve ser como pessoa, como tratar os outros. Um mestre verdadeiro, amigo de seus discípulos e que privilégio foi conviver anos com ele na ativa. Não eram raras as vezes que nos flagrava fazendo comida na sala da pós graduação para assistir jogo de futebol. Ao invés de nos repreender, abria seu sorriso peculiar e terminava por sentar conosco para assistir a um jogo da seleção Brasileira e contar tantos e tantos casos e histórias da anatomia.
Sim, o mestre sempre nos passava a impressão de que éramos amparados, adotados como verdadeiros filhos (se não de sangue, científicos discípulos que o reverenciavam), cativava a todos nós seus ex alunos. E cada conversa era uma aula à parte, cada minuto de convivência era um minuto de proveitosa instrução, todos parávamos para ouvi-lo, pois sempre soubemos que isso era um privilégio, sabíamos aproveitar cada oportunidade.
Graduado em medicina em 1959, foi monitor de anatomia e formado em uma linhagem da mais pura nobreza anatômica, oriunda da Escola Anatômica Italiana, iniciada com o Prof. Alfonso Bovero que foi professor e sucedido pelo mestre Renato Locchi a quem aprendemos com o Prof. Prates a reverenciar.

Não havia uma única aula em que o prof. Prates não nos contasse sobre o Prof. Loccchi, o que para nós também era uma aula de como os discípulos deveriam de fato reverenciar e ter gratidão aos mestres que os formaram.
Anualmente, no dia do aniversário da morte do Prof. Locchi, fazíamos uma excursão até Conchas, local onde o prof. Locchi está sepultado. Sempre foi um evento muito bom, íamos conversando sobre a história do prof. Locchi, sua família, conhecíamos os locais na cidade onde ele viveu e cresceu e ao final sempre havia um almoço muito bom patrocinado pelo prof. Prates. Uma vez quis pagar e fui repreendido pelo mestre que disse sorrindo que me expulsaria do curso se eu insistisse.

Seu carinho também à Sociedade Brasileira de Anatomia era imenso, penso eu que ainda mais pelo fato do seu mestre Locchi ter sido fundador da Sociedade a quem sempre nos recomendou que cuidassemos e que inclusive nunca esquecêssemos de visitar a sepultura do prof. Locchi, haja visto que este não teve filhos e por essa razão, segundo ele, seus discípulos deveriam assumir essa atribuição.
Ter tido o privilégio de conviver com pessoa proba, educadíssima, que tratava a todos com o máximo respeito e carinho é algo para agradecer.

São tantas lembranças felizes e até engraçadas da convivência, momentos de sorrisos, o privilégio de ter concedido seu primeiro titulo de Dr. Honoris Causa em Alagoas, que não posso ficar triste, e sim feliz pelo privilégio que me foi concedido, poderei continuar o reverenciando enquanto viver. Sim, chegou minha vez de contar sobre o Prates as histórias que sei, como ele fazia com Locchi, pois essas coisas são passadas como de pai para filho e o DNA dessa linhagem anatômica ele soube passar com maestria durante anos a fio. Em minha fé, ainda o verei e novamente terei a oportunidade de parar para ouvir suas histórias e contar as minhas.
A dor da saudade existe sem dúvidas, pois nesses casos se transfigura na saudade de quem fica a espera do reencontro que não será mais tão fácil como em um telefonema, um pedido de conselho durante um congresso, ou de orientações sobre tantas que buscávamos do eterno mestre. E foram tantas e tantas que não é mais possível dimensionar.

Que bom que pudemos reverenciá-lo no que pudemos, que bom que pudemos retribuir todo afeto que recebemos, o fizemos ontem, faremos hoje e ainda o faremos sempre.
Obrigado querido mestre, obrigado pelo que fez por mim e por tantos outros, espero em Deus conseguir ser ao menos um pouco do que você foi (achar que teria condições de ser ao menos a metade já seria petulância). Seguiremos buscando repassar tudo que nos ensinou e seguir seus conselhos, pois hoje, mais do que nunca, vive em nós, vive também em sua família, nos filhos e netos com os quais nos solidarizamos.
Não, não vamos dar um adeus, mas um até breve em minhas orações, segue à nossa frente na casa do Pai, sei que não será hoje nosso reencontro, mas sei que ocorrerá um dia.

Prof. Dr. Célio Fernando de Sousa Rodrigues (ex aluno)
Prof. Titular de Anatomia da Universidade Federal de Alagoas
Prof. Titular de Anatomia da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas
Prof. Titular de Anatomia do Centro Universitário Cesmac
Ex Presidente da Sociedade Brasileira de Anatomia
Superintendente do Hospital Universitário Prof. Alberto Antunes